Segundo a Sejus e a Polícia Civil, os déficits de Cadeias Públicas e Delegacias estão
sendo corrigidos
O delegado geral da Polícia Civil, Andrade Júnior, disse que as
cidades que têm delegacias são escolhidas por suas localizações
geográficas
FOTO: NATINHO RODRIGUES
Conforme a Lei Federal de Execuções Penais e a Lei Estadual 12.342 - o
Código de Divisão e Organização Judiciária do Ceará - todo Município
deve ter uma Cadeia Pública. Pode parece estranho que alguma cidade do
Estado não tenha este equipamento, mas a verdade é que 47 cidades não
possuem nenhum tipo de unidade prisional, para custódia de detentos.
Para piorar a situação, 90 municípios cearenses não têm delegacias.
Imagine ter que viajar para registrar um procedimento simples como um
Boletim de Ocorrência (B.O.). Pois é assim que os moradores de 90
cidades cearenses precisam agir para terem seus direitos de usufruir dos
serviços públicos garantidos.
O descumprimento às Leis, tem gerado problemas maiores e alguns
magistrados já estão se negando a receber presos oriundos de outras
cidades, por conta da superlotação das unidades. A sensação de falta de
proteção, de ausência de Justiça e de Segurança Pública é grande no
Interior.
Deslocamento
A advogada Delma Feitosa, nomeada defensora pública do Município de
Aiuaba, na Região dos Inhamuns, disse que os problemas gerados pela
falta de cadeia e delegacia são muitos, mas o mais grave é a dificuldade
encontrada pelos servidores do Poder Judiciário para manterem contato
com o preso.
"Qualquer procedimento, por simples que seja, exige um deslocamento.
Até para obter a assinatura de um preso em uma procuração, por exemplo, é
preciso que se faça uma viagem para Arneiroz, Tauá ou até Fortaleza. A
situação desses réus é muito prejudicada, não só no andamento do
processo, que se torna mais lento, por conta da distância entre as
partes; mas também em relação a proximidade com a família, que nem
sempre tem como vê-los".
Em Aiuaba nunca houve delegacia de Polícia Civil. A Cadeia Pública
funcionou durante anos em um cubículo sem entradas de ar adequadas e com
um banheiro improvisado. Depois que o prédio foi interditado, os presos
passaram a ser custodiados no imóvel onde funcionava o antigo Fórum,
instalado em frente à praça mais movimentada da Cidade, em pleno Centro.
Segundo Delma Feitosa, a falta de segurança do prédio e o costume que
as pessoas adquiriram de conversar e entregar bebidas alcoólicas e
cigarros aos presos, fez com que a Cadeia fosse desativada, em 2005.
Desde lá não há um lugar específico para abrigar detentos. "Os prédios
precisavam mesmo serem interditados, porque não ofereciam condição
nenhuma para abrigar alguém. O problema é que o Estado não apresentou
alternativa para a interdição. Ficamos sem ter o que fazer com nossos
presos", afirmou a advogada.
A defensora disse ainda, que não tem conhecimento que a Secretaria de
Justiça e Cidadania do Estado (Sejus) tenha dado qualquer justificativa
para a falta do equipamento nesses quase 10 anos. "Os juízes têm muito
boa vontade. Oficiam, solicitam, denunciam a situação. Porém, nunca
chegou resposta alguma por parte do Estado ao Fórum, que eu tenha
conhecimento".
Sobre a falta de delegacia, Delma considera que alguns delitos poderiam
ser evitados, só pelo fato dos criminosos terem noção da proximidade da
Polícia. "Algumas pessoas cometem crimes leves com certa reincidência,
porque não sentem a presença da Polícia. Sabem que é necessário que a
equipe da Polícia Civil de Tauá seja mobilizada para que um B.O. Seja
lavrado contra eles. A dificuldade que a população encontra para
registrar um crime é alta, por isso a maioria prefere não se dar ao
trabalho".
Sem estrutura
Em Santana do Cariri (556Km de Fortaleza), o problema é ainda maior.
Segundo um funcionário do Fórum da Cidade, além de não ter Cadeia
Pública e delegacia, a PM também enfrenta dificuldades para desempenhar
suas funções.
"Santana não tem nem viatura. A Prefeitura disponibilizou um automóvel
para fazer as vezes de viatura; paga uma casa para que o destacamento da
PM local funcione; custeia o telefone e a comida dos militares. Caso a
Prefeitura corte estes gastos, que não são da responsabilidade dela, a
PM não terá a mínima condição de atuar aqui", afirmou um servidor do
Fórum, que pediu para não ser identificado.
Os presos de lá eram levados para a Cadeia de Nova Olinda, mas a
unidade está superlotada e agora eles são deslocados para Altaneira.
"Estamos enchendo as unidades das outras cidades e isto já causa
incômodo. Vai chegar a hora em que ninguém vai poder ser preso aqui,
porque não terá para onde ir".
O funcionário público disse ainda, que nenhum defensor público,
promotor ou oficial de Justiça têm seus deslocamentos custeados pelo
Estado. "Ouço queixas frequentes aqui no Fórum de quem precisa pagar de
seu próprio bolso as despesas com combustível e alimentação, para
visitar um preso que está em outra cidade", denunciou.
O promotor de Justiça, David Moraes da Costa, que responde pelos
Municípios de Altaneira, Santana do Cariri e Farias Brito, ambos na
Região do Cariri, disse que o fenômeno da subnotificação percebido em
Aiuaba por Delma Feitosa, também acomete Santana. "Os crimes acontecem e
nós ficamos sabendo extraoficialmente, mas a maioria não é registrado
pelas vítimas. As pessoas não acreditam que a Polícia vá resolver
estando distante".
Polícia e Sejus afirmam que estão trabalhando para diminuir o déficit
De 2007 até agora, 17 Cadeias Públicas foram construídas no Ceará, o
que significou um acréscimo de 889 vagas no Interior, conforme
informações da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado (Sejus).
Segundo a instituição, está programada a inauguração, ainda este ano, de
uma unidade em Juazeiro do Norte. "Estão ainda sendo licitadas,
unidades em Crateús, Aracati, Tianguá, Quixadá e Caucaia, que
totalizarão mais 1.243 vagas em cadeias públicas", informou.
Sobre a situação da estrutura e população carcerária nas Cadeias que já
existem no Interior, a Sejus diz que "reconhece que ainda há unidades
em situações emergenciais e tem trabalhado para sanar estes problemas. É
um desafio acompanhar o crescimento da população carcerária no Estado,
que chega a quase 10% ao ano".
Segundo a Secretaria de Justiça, a construção de cadeias dependem de
alguns requisitos. "A decisão pela localização de uma unidade prisional é
feita pela Sejus, a partir de análise da demanda existente. Para a
construção de uma nova unidade, é preciso também que o município dê como
contrapartida um terreno dentro das especificações de construção
definidas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria
(CNPCP)".
A Sejus explica que as cadeias são estruturas montadas para abrigar
presos provisórios mas recebem muitos presos condenados. "Pela
jurisprudência, o prazo razoável para a prisão provisória é de 90 dias.
No entanto, são raros os processos em que esse prazo é respeitado, e
esse descompasso entre a prisão e o tempo de julgamento gera a
superpopulação carcerária. Depois deste prazo, os presos deveriam ser
distribuídos em presídios regionais, que acabam não sendo por conta de
outro problema: as autorizações judiciais".
A instituição disse também, que não são todos os magistrados que
autorizam a entrada de detentos oriundos de outras comarcas, nas que
eles representam. "Isso pode ocasionar que algumas unidades fiquem com
excedente de presos enquanto outras com vagas ociosas. A Sejus busca
manter o diálogo com os magistrados".
Polícia Civil
Segundo o delegado geral da Polícia Civil, Andrade Júnior, de 2007 até
agora foram inauguradas 44 delegacias no Interior do Ceará. Para Andrade
este é o crescimento mais expressivo dos últimos tempos, já que em anos
anteriores já havia sido, inclusive, fechadas unidades municipais por
falta de efetivo.
"Diante da quantidade de delegacias que existiam e que existem hoje,
este número representa um aumento de 100% no número de unidades. Fizemos
o máximo que pudemos para diminuir o déficit de unidades, gerado nos
últimos 20 anos".
Conforme o delegado geral, as cidades que vão receber as delegacias são
escolhidas diante de sua posição geográfica. "É utopia dizer que todas
as cidades terão delegacias. O ideal seria isto, mas não está dentro da
nossa realidade. Então, escolhemos pontos que possam atender o máximo de
pessoas. Quando instalamos uma delegacia em um ponto, ela irá comportar
a demanda das cidades vizinhas".
Perto
Andrade Júnior lembra que a população deve estar perto da Polícia
Judiciária. "O delegado é uma figura importante, responsável legal por
homologar e investigar procedimentos denunciados pela sociedade. Seria
bom que tivéssemos delegados em toda Cidade, mas nenhuma instituição -
Polícia Civil, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Ministério
Público - tem efetivo suficiente para isto".
MPE: "Este é um problema antigo"
A situação de falta de estruturas para abrigar presos é bastante
difícil e está em todo o Ceará, inclusive na Capital, segundo a
promotora de Justiça Camila Barbosa, da 3ª Promotoria de Execuções
Penais de Fortaleza. Barbosa disse que o problema é antigo e que já
houve tempo mais que suficiente para que fosse totalmente solucionado.
Segundo ela, somente um presídio atende a Fortaleza e Região
Metropolitana, todo o restante das unidades são Cadeias Públicas. "Os
presídios são destinados a receber presos em regime fechado e as
cadeias, presos provisórios. O problema é que o único presídio que temos
na RMF, está 30% acima de sua capacidade. Por conta disto, os presos
condenados são misturados aos provisórios e isto dificulta a
ressocialização, por exemplo. Cada preso precisa estar no espaço
adequado para ele".
Conforme a representante do Ministério Público Estadual (MPE), a
criação das Cadeias Públicas no Interior era o primeiro passo para
desafogar as unidades da Capital, além de serem estruturas totalmente
necessárias em cada Município. "Muitos presos que estão aqui são
oriundos de outros Municípios. Se lá tivesse a Cadeia não precisaríamos
recebe-los".
Segundo Camila, o flagrante descumprimento das leis neste sentido, tem
acarretado outros problemas como o avanço da violência. "A Lei de
Execuções Penais entrou em vigor no ano de 1984 e trinta anos depois não
é cumprida efetivamente. Não adianta dar desculpas, nem mudar nomes de
penitenciárias se a estrutura é a mesma. Precisamos de medidas que
tenham resultados práticos".
Ela disse ainda, que o promotor de Justiça de cada Município deve
proceder da forma que achar correta para que o problema seja sanado.
"Cada um deve adotar a postura que lhe pareça correta, que pode ir desde
uma recomendação até o ajuizamento de uma Ação Civil Pública (ACP)",
afirmou.
David da Costa, promotor de Santana, disse que depois de oficiar várias
vezes a Sejus, sem resposta, irá encaminhar uma recomendação ao Poder
Judiciário. Caso não seja atendido, irá mover uma ACP. "Já oficiei a
Secretaria de Segurança Pública (SSPDS) e a Sejus. A SSPDS me deu
resposta dizendo que não tem previsão para a inauguração de uma
delegacia em Santana; a Sejus nem isto, simplesmente ignorou. Eu não
tenho mais saídas a não ser mover estas ações". Ele contou também, que a
Cadeia Pública de Santana está sendo reformada há anos. "A obra está
totalmente parada, por um tempo injustificável".