Segundo a Sejus e a Polícia Civil, os déficits de Cadeias Públicas e Delegacias estão sendo corrigidos
O delegado geral da Polícia Civil, Andrade Júnior, disse que as
cidades que têm delegacias são escolhidas por suas localizações
geográficas
FOTO: NATINHO RODRIGUES
Imagine ter que viajar para registrar um procedimento simples como um Boletim de Ocorrência (B.O.). Pois é assim que os moradores de 90 cidades cearenses precisam agir para terem seus direitos de usufruir dos serviços públicos garantidos.
O descumprimento às Leis, tem gerado problemas maiores e alguns magistrados já estão se negando a receber presos oriundos de outras cidades, por conta da superlotação das unidades. A sensação de falta de proteção, de ausência de Justiça e de Segurança Pública é grande no Interior.
Deslocamento
A advogada Delma Feitosa, nomeada defensora pública do Município de Aiuaba, na Região dos Inhamuns, disse que os problemas gerados pela falta de cadeia e delegacia são muitos, mas o mais grave é a dificuldade encontrada pelos servidores do Poder Judiciário para manterem contato com o preso.
"Qualquer procedimento, por simples que seja, exige um deslocamento. Até para obter a assinatura de um preso em uma procuração, por exemplo, é preciso que se faça uma viagem para Arneiroz, Tauá ou até Fortaleza. A situação desses réus é muito prejudicada, não só no andamento do processo, que se torna mais lento, por conta da distância entre as partes; mas também em relação a proximidade com a família, que nem sempre tem como vê-los".
Em Aiuaba nunca houve delegacia de Polícia Civil. A Cadeia Pública funcionou durante anos em um cubículo sem entradas de ar adequadas e com um banheiro improvisado. Depois que o prédio foi interditado, os presos passaram a ser custodiados no imóvel onde funcionava o antigo Fórum, instalado em frente à praça mais movimentada da Cidade, em pleno Centro.
Segundo Delma Feitosa, a falta de segurança do prédio e o costume que as pessoas adquiriram de conversar e entregar bebidas alcoólicas e cigarros aos presos, fez com que a Cadeia fosse desativada, em 2005. Desde lá não há um lugar específico para abrigar detentos. "Os prédios precisavam mesmo serem interditados, porque não ofereciam condição nenhuma para abrigar alguém. O problema é que o Estado não apresentou alternativa para a interdição. Ficamos sem ter o que fazer com nossos presos", afirmou a advogada.
A defensora disse ainda, que não tem conhecimento que a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado (Sejus) tenha dado qualquer justificativa para a falta do equipamento nesses quase 10 anos. "Os juízes têm muito boa vontade. Oficiam, solicitam, denunciam a situação. Porém, nunca chegou resposta alguma por parte do Estado ao Fórum, que eu tenha conhecimento".
Sobre a falta de delegacia, Delma considera que alguns delitos poderiam ser evitados, só pelo fato dos criminosos terem noção da proximidade da Polícia. "Algumas pessoas cometem crimes leves com certa reincidência, porque não sentem a presença da Polícia. Sabem que é necessário que a equipe da Polícia Civil de Tauá seja mobilizada para que um B.O. Seja lavrado contra eles. A dificuldade que a população encontra para registrar um crime é alta, por isso a maioria prefere não se dar ao trabalho".
Sem estrutura
Em Santana do Cariri (556Km de Fortaleza), o problema é ainda maior. Segundo um funcionário do Fórum da Cidade, além de não ter Cadeia Pública e delegacia, a PM também enfrenta dificuldades para desempenhar suas funções.
"Santana não tem nem viatura. A Prefeitura disponibilizou um automóvel para fazer as vezes de viatura; paga uma casa para que o destacamento da PM local funcione; custeia o telefone e a comida dos militares. Caso a Prefeitura corte estes gastos, que não são da responsabilidade dela, a PM não terá a mínima condição de atuar aqui", afirmou um servidor do Fórum, que pediu para não ser identificado.
Os presos de lá eram levados para a Cadeia de Nova Olinda, mas a unidade está superlotada e agora eles são deslocados para Altaneira. "Estamos enchendo as unidades das outras cidades e isto já causa incômodo. Vai chegar a hora em que ninguém vai poder ser preso aqui, porque não terá para onde ir".
O funcionário público disse ainda, que nenhum defensor público, promotor ou oficial de Justiça têm seus deslocamentos custeados pelo Estado. "Ouço queixas frequentes aqui no Fórum de quem precisa pagar de seu próprio bolso as despesas com combustível e alimentação, para visitar um preso que está em outra cidade", denunciou.
O promotor de Justiça, David Moraes da Costa, que responde pelos Municípios de Altaneira, Santana do Cariri e Farias Brito, ambos na Região do Cariri, disse que o fenômeno da subnotificação percebido em Aiuaba por Delma Feitosa, também acomete Santana. "Os crimes acontecem e nós ficamos sabendo extraoficialmente, mas a maioria não é registrado pelas vítimas. As pessoas não acreditam que a Polícia vá resolver estando distante".
Polícia e Sejus afirmam que estão trabalhando para diminuir o déficit
De 2007 até agora, 17 Cadeias Públicas foram construídas no Ceará, o que significou um acréscimo de 889 vagas no Interior, conforme informações da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado (Sejus). Segundo a instituição, está programada a inauguração, ainda este ano, de uma unidade em Juazeiro do Norte. "Estão ainda sendo licitadas, unidades em Crateús, Aracati, Tianguá, Quixadá e Caucaia, que totalizarão mais 1.243 vagas em cadeias públicas", informou.
Sobre a situação da estrutura e população carcerária nas Cadeias que já existem no Interior, a Sejus diz que "reconhece que ainda há unidades em situações emergenciais e tem trabalhado para sanar estes problemas. É um desafio acompanhar o crescimento da população carcerária no Estado, que chega a quase 10% ao ano".
Segundo a Secretaria de Justiça, a construção de cadeias dependem de alguns requisitos. "A decisão pela localização de uma unidade prisional é feita pela Sejus, a partir de análise da demanda existente. Para a construção de uma nova unidade, é preciso também que o município dê como contrapartida um terreno dentro das especificações de construção definidas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria (CNPCP)".
A Sejus explica que as cadeias são estruturas montadas para abrigar presos provisórios mas recebem muitos presos condenados. "Pela jurisprudência, o prazo razoável para a prisão provisória é de 90 dias. No entanto, são raros os processos em que esse prazo é respeitado, e esse descompasso entre a prisão e o tempo de julgamento gera a superpopulação carcerária. Depois deste prazo, os presos deveriam ser distribuídos em presídios regionais, que acabam não sendo por conta de outro problema: as autorizações judiciais".
A instituição disse também, que não são todos os magistrados que autorizam a entrada de detentos oriundos de outras comarcas, nas que eles representam. "Isso pode ocasionar que algumas unidades fiquem com excedente de presos enquanto outras com vagas ociosas. A Sejus busca manter o diálogo com os magistrados".
Polícia Civil
Segundo o delegado geral da Polícia Civil, Andrade Júnior, de 2007 até agora foram inauguradas 44 delegacias no Interior do Ceará. Para Andrade este é o crescimento mais expressivo dos últimos tempos, já que em anos anteriores já havia sido, inclusive, fechadas unidades municipais por falta de efetivo.
"Diante da quantidade de delegacias que existiam e que existem hoje, este número representa um aumento de 100% no número de unidades. Fizemos o máximo que pudemos para diminuir o déficit de unidades, gerado nos últimos 20 anos".
Conforme o delegado geral, as cidades que vão receber as delegacias são escolhidas diante de sua posição geográfica. "É utopia dizer que todas as cidades terão delegacias. O ideal seria isto, mas não está dentro da nossa realidade. Então, escolhemos pontos que possam atender o máximo de pessoas. Quando instalamos uma delegacia em um ponto, ela irá comportar a demanda das cidades vizinhas".
Perto
Andrade Júnior lembra que a população deve estar perto da Polícia Judiciária. "O delegado é uma figura importante, responsável legal por homologar e investigar procedimentos denunciados pela sociedade. Seria bom que tivéssemos delegados em toda Cidade, mas nenhuma instituição - Polícia Civil, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Ministério Público - tem efetivo suficiente para isto".
MPE: "Este é um problema antigo"
A situação de falta de estruturas para abrigar presos é bastante difícil e está em todo o Ceará, inclusive na Capital, segundo a promotora de Justiça Camila Barbosa, da 3ª Promotoria de Execuções Penais de Fortaleza. Barbosa disse que o problema é antigo e que já houve tempo mais que suficiente para que fosse totalmente solucionado.
Segundo ela, somente um presídio atende a Fortaleza e Região Metropolitana, todo o restante das unidades são Cadeias Públicas. "Os presídios são destinados a receber presos em regime fechado e as cadeias, presos provisórios. O problema é que o único presídio que temos na RMF, está 30% acima de sua capacidade. Por conta disto, os presos condenados são misturados aos provisórios e isto dificulta a ressocialização, por exemplo. Cada preso precisa estar no espaço adequado para ele".
Conforme a representante do Ministério Público Estadual (MPE), a criação das Cadeias Públicas no Interior era o primeiro passo para desafogar as unidades da Capital, além de serem estruturas totalmente necessárias em cada Município. "Muitos presos que estão aqui são oriundos de outros Municípios. Se lá tivesse a Cadeia não precisaríamos recebe-los".
Segundo Camila, o flagrante descumprimento das leis neste sentido, tem acarretado outros problemas como o avanço da violência. "A Lei de Execuções Penais entrou em vigor no ano de 1984 e trinta anos depois não é cumprida efetivamente. Não adianta dar desculpas, nem mudar nomes de penitenciárias se a estrutura é a mesma. Precisamos de medidas que tenham resultados práticos".
Ela disse ainda, que o promotor de Justiça de cada Município deve proceder da forma que achar correta para que o problema seja sanado. "Cada um deve adotar a postura que lhe pareça correta, que pode ir desde uma recomendação até o ajuizamento de uma Ação Civil Pública (ACP)", afirmou.
David da Costa, promotor de Santana, disse que depois de oficiar várias vezes a Sejus, sem resposta, irá encaminhar uma recomendação ao Poder Judiciário. Caso não seja atendido, irá mover uma ACP. "Já oficiei a Secretaria de Segurança Pública (SSPDS) e a Sejus. A SSPDS me deu resposta dizendo que não tem previsão para a inauguração de uma delegacia em Santana; a Sejus nem isto, simplesmente ignorou. Eu não tenho mais saídas a não ser mover estas ações". Ele contou também, que a Cadeia Pública de Santana está sendo reformada há anos. "A obra está totalmente parada, por um tempo injustificável".
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