Fim do mistério. Exatos 20 anos depois de um episódio que abalou as estruturas da Segurança Pública do Estado do Ceará, com a prisão de policiais, o afastamento de uma delegada e a queda do então chefe da Pasta, a Polícia Civil descobre, agora, que o principal protagonista do fato já está morto.
Na manhã de 12 de abril de 1993, Antônio Braga foi encontrado assim na carceragem da DRF Foto: Divulgação
Com exclusividade, o Diário do Nordeste teve acesso, na semana passada, ao resultado de uma sigilosa investigação feita pela Polícia Civil cearense, através do seu Departamento de Inteligência Policial (DIP), que constatou a morte do presidiário cearense Antônio Ferreira Braga.
Tapete
Braga, que se dizia pedreiro, é o homem que, na manhã do dia 12 de abril de 1993, foi encontrado nas dependências da carceragem da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), então sediada na Rua Costa Barros, na Aldeota, enrolado em um tapete e amarrado com fios elétricos. Na época, o caso virou um escândalo nacional, sob a alegação de que o preso estava sendo torturado por agentes daquela delegacia para confessar o simples furto de um aparelho de TV.
O suposto ´flagrante´ da tortura foi denunciado por representantes das comissões de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado, Câmara Municipal de Fortaleza, Ordem dos Advogados do Brasil (Secção Ceará/OAB-CE) e também da Arquidiocese de Fortaleza.
Depois de vários meses de uma apuração sigilosa, o DIP descobriu que Braga já está morto. Seu óbito aconteceu exatamente às 10h15 do dia 23 de dezembro de 2009, numa enfermaria do Hospital Regional de Assis, no Interior do Estado de São Paulo. Naquele Estado, ele cumpria pena por mais um de seus vários crimes, um assassinato.
Conforme os documentos constantes do inquérito policial que tramita no DIP, a causa da morte do preso cearense Antônio Ferreira Braga, natural de Caucaia, foi "insuficiência renal crônica, agudizada por diabetes mellitus e hipertensão arterial".
O atestado de óbito, cuja cópia está anexada ao inquérito, é assinado pela médica paulista Elizabeth Alves Salgado. No dia seguinte, 24 de dezembro de 2009, o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do Município e Comarca de São Paulo, emitiu a Certidão de Óbito, assinado pela escrevente Valquíria Breve dos Santos. Naquele mesmo dia, o corpo de Braga foi sepultado no Cemitério Municipal da cidade de Assis (SP).
O esclarecimento do mistério que envolvia o paradeiro do presidiário cearense agora é oficial e será comunicado, ainda nesta semana, pelo Governo do Ceará à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Número
20 anos já se passaram desde a data em que o preso foi encontrado nas dependências da Delegacia de Roubos e Furtos, numa suposta sessão de tortura policial
Caso teve repercussão mundial
A denúncia da tortura praticada contra o preso Antônio Ferreira Braga, na sede da Delegacia de Roubos e Furtos, no Ceará, ganhou repercussão internacional. O caso foi parar nos Estados Unidos, precisamente em Washington, a capital americana, onde está sediada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). O Brasil acabou sendo condenado pela entidade internacional por violação de direitos.
Anexado aos autos do inquérito policial no Departamento de Inteligência da Polícia Civil do Ceará está a certidão de óbito emitida no Estado de São Paulo. O documento atesta que o preso teve morte por insuficiência renal FOTO: REPRODUÇÃO
Desde o ano passado, a entidade cobrava do governo brasileiro informações precisas sobre o paradeiro do preso. Logo após o fato, em abril de 1993, Antônio Ferreira Braga ´desapareceu´. Teria sido mandado para o Maranhão por iniciativa do então cardeal arcebispo de Fortaleza, dom Aloísio Lorscheider, que teria, pessoalmente, custeado as despesas da viagem.
Em 18 de julho de 2008, a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA decidiu através de seus membros efetivos Paolo G. Carozza (presidente), Luz Patrícia Mejía Guerreiro (primeira vice-presidente), Felipe González (segundo vice-presidente), Sir Clare K. Roberts, Florentin Meléndez e Victor E. Abramovich (membros), publicar em ata daquela entidade um minucioso documento sobre o caso e incluí-lo no Relatório Anual da Assembleia-Geralda OEA.
Investigação
O pedido de informações da OEA ao governo brasileiro chegou ao Ceará ainda no ano passado. Do Palácio do Abolição, a documentação foi remetida à Coordenadoria Estadual de Políticas Públicas de Direitos Humanos do Governo do Ceará. Em seguida, aportou na Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e chegou, finalmente, na Delegacia Geral da Polícia Civil, onde foi instaurado o inquérito agora concluído.
Designados para investigar o caso, os delegados Francisco Carlos Crisóstomo e Sâmya Rios Dias, do Departamento de Inteligência Policial (DIP), iniciaram uma rigorosa - e sigilosa - apuração que chegou a São Paulo.
A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária daquele Estado emitiu, em 29 de dezembro de 2009, documento denominado Laudo Médico Circunstanciado, em que revelou todo o histórico clínico do preso.
Conforme o documento, desde 2008, Braga passava por tratamento em decorrência de apresentar "cumulativamente, doença grave, permanente. Era portador de doença renal crônica de causa familiar". Passou por tratamento na cidade de Bauru, em terapia renal substitutiva (diálise) e, posteriormente, foi internado na Unidade de Nefrologia da cidade de Assis (SP). No dia 7 de dezembro de 2009, enquanto aguardava transplante de rins, foi internado Hospital Regional de Assis, onde faleceu no dia 23 de dezembro daquele mesmo ano. O atestado de óbito de número 24.362 apontou como causa da morte do detento "insuficiência renal crônica agudizada pela diabetes´.
Antes de sua transferência para o Hospital Geral de Assis, Braga passou por, pelo menos, duas unidades penais de São Paulo, depois de condenado por crime de assassinato.
No dia 16 de maio de 2008, ele deu entrada na Penitenciária de Assis, procedente da Penitenciária de Paraguaçu Paulista.
Ex-secretário comandou a apuração do mistério
Então secretário de segurança Pública da época, o delegado de Polícia Civil Francisco Carlos de Araújo Crisóstomo, perdeu o cargo depois de muita pressão feita por entidades ligadas à defesa dos Direitos Humanos. O próprio cardeal de Fortaleza, da época, dom Aloísio Lorscheider, interveio no caso junto ao governador Ciro Gomes. A titular da DRF era a delegada Sônia Gurgel, que, mesmo sequer estando na delegacia, e que sustentou não ter conhecimento da suposta tortura, acabou sendo exonerada.
Delegado Francisco Crisóstomo, chefe da Inteligência da Polícia Civil, esteve à frente do inquérito
Três policiais civis acabaram sendo responsabilizados pelo fato e foram processados, os investigadores Valdenir Almeida da Silva, Valdery de Oliveira Silva Júnior e José Sérgio Andrade da Silva. Anos depois de iniciada a apuração, eles perderam o cargo e foram demitidos do Estado.
Trinta anos depois, o próprio delegado Francisco Carlos de Araújo Crisóstomo foi incumbido de comandar a investigação para descobrir o paradeiro do preso, junto com sua colega, delegada Sâmya Rios.
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